O Tráfico de Seres Humanos é um crime
que tem progredido ao longo dos séculos, sendo actualmente designado como a
escravidão moderna. Com características muito próprias e disseminado
mundialmente torna-se um crime difícil de combater, havendo a necessidade de
uma grande cooperação entre os distintos organizações nacionais e
internacionais e entre forças e serviços de segurança. O presente trabalho tem
como objetivo analisar a definição de o tráfico de pessoas na ordem jurídica
angolana e internacional o seu enquadramento legal. Para o alcance dos
objectivos, optamos a elaborar uma pesquisa qualitativa, através da pesquisa
bibliográfica e análise documental. Concluímos que, houve medidas mais rígidas
relacionadas a necessidades de adopção de medidas mais eficazes no combate ao
Tráfico de Seres Humanos em Angola, fruto de alterações legislativas observadas
no novo código penal de 2020 que reflectem um maior apoio às crianças e
mulheres.
ABSTRACT
Trafficking in Human Beings is a crime
that has progressed over the centuries and is now designated as modern slavery.
With its own characteristics and disseminated worldwide it becomes a difficult
crime to combat, and there is a need for great cooperation between the
different national and international organizations and between security forces
and services. This paper aims to analyze the definition of trafficking in
persons in the Angolan and international legal order and its legal framework.
To achieve the objectives, we chose to elaborate a qualitative research,
through bibliographic research and documentary analysis. We conclude that there
have been stricter measures related to the need to adopt more effective
measures to combat trafficking in human beings in Angola, as a result of
legislative changes observed in the new 2020 penal code that reflect greater
support for children and women.
INTRODUÇÃO
O Tráfico de
Seres Humanos é um crime que tem progredido ao longo dos séculos, sendo
actualmente designado como a escravidão moderna. Com características muito
próprias e disseminado mundialmente torna-se um crime difícil de combater, havendo
a necessidade de uma grande cooperação entre os distintos organizações
nacionais e internacionais e entre forças e serviços de segurança. Muitos
países no mundo, têm assumido um papel relevante na erradicação deste crime, produzindo
organismos direccionados para a sua prevenção e sinalização e alterando a
legislação interna.
O Tráfico de
Seres Humanos é uma questão de interesse crescente do Estado angolano e da
comunidade internacional. As Organizações Internacionais, as Associações
regionais, e os governos nacionais estão a trabalhar em programas e políticas,
criando instituições, novas leis e regulamentações para combater o Tráfico de
Seres Humanos.
O Estado
angolano não está dissociado desta causa, por isso, criou-se, uma Comissão
Interministerial de Combate ao Tráfico de Seres Humanos. Um do fruto do
trabalho que esta Comissão tem vindo a desencadear, foi a elaboração de um
diagnóstico profundo sobre a dimensão deste fenómeno no país.
De acordo
com as nações Unidas citado por (2020) (Plataforma Portuguesa para os direitos
Humanos (2020, p.1), “as mulheres constituem mais de 80% dos casos reportados
de vítimas de tráficos, 79% dos casos reportados de tráficos de seres humanos é
para fins de exploração sexual e as mulheres constituem 85% das vítimas de
tráfico para exploração sexual”. O tráfico
de seres humanos é a escravatura na sua forma moderna, é um crime gravíssimo
que envolve uma violação dos direitos humanos. Os números acima referenciados
evidenciam que o tráfico de seres humanos é, sobretudo, uma violação dos
direitos humanos das mulheres e constitui uma forma de violência contra as
mulheres.
Há uma necessidade
urgente de uma análise e integração da dimensão de género em todas as
políticas, estratégias e medidas destinadas a combater o tráfico de seres
humanos. Todos os aspectos dessas políticas devem incluir as dimensões da
prevenção, protecção e repressão, as quais devem ser enquadradas nos objectivos
da igualdade de género. A situação agrava-se quando as pessoas traficadas são frequentemente
revitimizadas durante todo o processo de assistência.
Aqueles que
trabalham com as pessoas traficadas, bem como a sociedade em geral, precisam
ser sensibilizadas em relação aos direitos básicos das vítimas de tráfico, bem
como os mecanismos de denúncias. Com a elaboração do presente trabalho, pretendemos
de forma pedagógica, contribuir para a sensibilização da sociedade,
proporcionando informações pertinentes para um alerta geral.
O presente
trabalho tem como objetivo analisar a definição de o tráfico de pessoas na
ordem jurídica angolana e internacional o seu enquadramento legal. Para o
alcance dos objectivos, optamos a elaborar uma pesquisa qualitativa, através da
pesquisa bibliográfica e análise documental.
Concluímos que, houve medidas mais rígidas relacionadas a necessidades de adopção de medidas mais eficazes no combate ao Tráfico de Seres Humanos em Angola, fruto de alterações legislativas observadas no novo código penal de 2020 que reflectem um maior apoio às crianças e mulheres.
BREVE RESENHA SOBRE O TRÁFICO DE PESSOAS
O tráfico de pessoas é tema presente nacional e internacionalmente, por
se tratar de assunto relacionado tanto com a migração quanto com a protecção
dos Direitos Humanos, sendo um fenómeno mundial, uma vez que atinge todos os
países do mundo. Desde os primórdios, o tráfico de pessoas é uma constante na
história da humanidade, a começar pela Grécia Antiga, onde meninas na faixa
etária de cinco anos eram comercializadas como escravas e compelidas a prestar
“favores sexuais” a seus donos.
A exploração sexual é caracterizada
como configuração comercial, é uma prática ilícita, baixa e preocupante, haja
vista a acentuada violação de direitos e garantias fundamentais, exigindo um
enfrentamento que responsabilize conjuntamente o agressor, a própria sociedade,
o mercado propulsor e, igualitariamente, o Estado. O tráfico humano para
exploração sexual é a terceira maior fonte de renda ilegal do mundo e Angola é
um dos “exportador” da África, servindo como país de trânsito para aliciadas
nações como Brasil, Portugal e outros países da Europa.
A cada ano, cerca de 2 milhões de pessoas são vítimas do tráfico humano e
isso rende aproximadamente 9 bilhões de dólares aos operadores do crime
organizado. Por mais que sua ocorrência se dê em todos os países, é notável uma
maior incidência nos países com graves violações dos direitos humanos,
decorrente de problemas como pobreza extrema, desigualdades sociais, raciais,
étnicas e de género, das guerras e até mesmo de perseguição religiosa
A maioria das vítimas são mulheres, crianças e adolescentes, que são
aliciadas por falsas promessas de emprego e melhores condições de vida, porém a
verdade é que essas pessoas passam a ser exploradas de várias maneiras,
inclusive sexualmente, que será o objecto do presente estudo. Com o intuito de
enfrentar o tráfico de pessoas, diversas iniciativas foram desenvolvidas, como
tratados, a partir da adopção da definição da expressão no Protocolo de Palermo
– como será visto -, o que fez com que os Estados passassem a discutir o
problema no âmbito interno
CONCEITO
DE TRÁFICO DE SERES HUMANOS
O TSH, actualmente
com uma definição mais abrangente, é uma realidade transversal a todos os
países mundiais, fruto de redes criminosas organizadas, onde muitas são as
vítimas e os actos efectuados contra a sua dignidade e integridade. Fruto desta
situação, os diferentes países tendem a adaptar a sua legislação interna em
consonância com a legislação internacional, com o intuito de diminuir as
situações de TSH
O principal instrumento jurídico internacional
para a luta contra o Tráfico de Seres Humanos (TSH) é o Protocolo Relativo à
Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças
(conhecido como Protocolo de Palermo), promulgado em 2000. Trata-se de um
Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade
Organizada Transnacional (adoptada em Palermo no ano 2000).
De acordo com a organização OIKOS – Cooperação
e Desenvolvimento, o TSH “é um crime contra a liberdade pessoal, que afecta
milhões de pessoas em todo o mundo. Envolve a movimentação de pessoas entre
fronteiras internacionais ou dentro de um mesmo país, com o objetivo de as
sujeitar a diversos tipos de exploração”
De acordo com o Jesus (2003, p. 45), "Tráfico de Pessoas significa:
"O
recrutamento, o transporte, a transferência, abrigo ou recebimento de pessoas,
por meio de ameaça ou uso de força ou por quaisquer outras formas de coerção,
de rapto, de fraude, por indução em erro (decepção, engano), do abuso de
autoridade ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos
ou benefícios para obter o consentimento para uma pessoa ter controlo sobre
outra pessoa, para o propósito de exploração.
Relativamente à prevenção e luta contra o TSH
e à protecção das vítimas, o Parlamento Europeu e o Conselho, como forma de
aumentar a defesa dos direitos humanos dos cidadãos, emitiu em 5 de Abril de
2011 a Directiva 2011/36/EU, onde solicitava aos Estados, no ponto 11, que
internamente adoptassem um conceito mais alargado de exploração de actividades
criminosas, sendo assim entendido como “a exploração de uma pessoa com vista,
nomeadamente, à prática de pequenos furtos ou roubos, tráfico de droga e outras
actividades semelhantes que sejam puníveis e lucrativas. A definição também
abrange o tráfico de seres humanos para efeitos de remoção de órgãos, que
constitui uma grave violação da dignidade humana e da integridade física, bem como
outras condutas como, por exemplo, a adopção ilegal ou o casamento forçado”
De acordo com o
Tabela
1-Definição
de Tráfico de Seres Humanos
Ação |
Meio |
Objectivo |
Oferecer Entregar Recrutar Aliciar Aceitar Transportar Alojar Acolher |
Violência Rapto Ameaça
grave Ardil
ou manobra Fraudulento Abuso
de autoridade Aproveitando-se
de incapacidade psíquica ou de situação especial de vulnerabilidade. |
Exploração
Sexual Exploração do
Trabalho Mendicidade
forçada Escravidão Extracção de
Órgãos Actividade
criminosa |
Fonte:
Adaptado de
No que concerne ao TSH, sendo a vítima um
menor, não é necessário que se verifique o “Meio”, existindo para tipificação
deste crime apenas a conjugação da “Ação” com o “Objetivo”.
EXPLORAÇÃO DA PROSTITUIÇÃO DE OUTREM OU OUTRAS
FORMAS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL
No que
se refere aos objectivos, a exploração incluirá também, no mínimo, a exploração
da prostituição de outros ou outras formas de exploração sexual trabalho ou
serviços forçados, escravatura, servidão ou práticas semelhantes à escravatura,
servidão ou a remoção de órgãos.
No contexto do tráfico humano para a indústria
sexual, enfatizando o género feminino e as condições psicológicas e físicas em
que são submetidas, essas mulheres comercializadas têm sensações contraditórias
e confusas sobre as circunstâncias enfrentadas, ora por culpa, constrangimento,
pavor, nervosismo ou fúria. Muitas nem mesmo distinguem que as circunstâncias
em que estão, na realidade, consiste numa transgressão dos seus direitos,
entendendo esse momento vivido como usual para atingir seus propósitos
Exploração da prostituição de outrem ou outras
formas de exploração sexual as expressões “exploração da prostituição de outrem
ou outras formas de exploração sexual” são criticadas por diversos autores em
face da sua imprecisão, o que não auxilia em nada a compreensão desse tipo de
exploração e, principalmente, por se referir a uma actividade específica, a
prostituição, quando o intuído seria desvincular o tráfico de qualquer actividade
laboral, para compreendê-lo como uma conduta na qual se usam meios fraudulentos
para explorar alguém
Contudo, como a prostituição e outras actividades
que envolvem trabalhadores sexuais foram objecto dos maiores debates nos
encontros finais das negociações para a elaboração do Protocolo, esses termos
foram propositadamente deixados indefinidos para que cada governo pudesse interpretá-los
de acordo com sua legislação interna, bem como foi mantida a referência à
prostituição
Essa indefinição ocorreu em face da existência
de tipos distintos de legislação sobre a prostituição em diferentes Estados,
como é o caso da Alemanha e da Holanda, que a regulamentam como actividade
profissional; e da Suécia, que a proíbe expressamente. Mas as actividades na
indústria do sexo não se referem somente à prostituição, pois envolvem também
os serviços de entretenimento sexual, como dançarinas, stripteases, shows de
sexo ao vivo, serviços de tele sexo, entre vários outros
Diversos autores defendem que essa finalidade
do tráfico de pessoas está mais relacionada às condições de recrutamento e de
exploração do que à realização da actividade per si. Isso porque actividades
sexuais podem variar muito em relação à forma de ingresso e às condições em que
se desenvolvem
A prostituição é considerada uma actividade
que expõe o trabalhador a riscos físicos e de saúde, apesar de não ser a única,
e que se encontra extremamente estigmatizada na maioria dos Estados, não sendo
vista como trabalho. Este fato faz com que os trabalhadores sexuais sejam alvo
de preconceitos e coloca essa actividade entre os espaços mais subalternos e
marginalizados dos sectores informais, pouco controlados e regulamentados, o
que torna possíveis diversas formas de exploração e violência.
Além disso, a
existência de demanda por sexo barato e por determinados “tipos” de pessoas, consideradas
exóticas, pode ser um estímulo para a existência de tráfico com a finalidade de
exploração sexual, na medida em que os clientes procuram diversidade de
trabalhadores sexuais. As terceiras partes que traficam pessoas podem suprir
essa demanda com homens ou mulheres de diversas localidades e também deslocar
essas pessoas já traficadas de um bordel para outro ou de uma região para outra
Nos casos de trabalhadores
sexuais imigrantes, a sua vulnerabilidade à exploração por uma terceira parte é
maior, em face das leis e políticas migratórias que, muitas vezes, os tornam dependentes
de seus empregadores, que tanto podem ajudá-los como explorá-los.
Alguns Estados, como o
Canadá, concedem permissão de trabalho em setores de entretenimento para
mulheres estrangeiras, por períodos de seis a doze meses. Freqüentemente, a
estada dessas mulheres está vinculada a um determinado empregador, o que as
torna dependentes dele para sua migração regular e sua subsistência. Contudo,
em vários Estados, essas estrangeiras que atuam na indústria do entretenimento
não estão garantidas pela legislação trabalhista, nem mesmo para o recebimento de
seus salários. Assim, os Estados possibilitam que os empregadores tratem essas
mulheres da forma como desejam, o que torna possível diferentes níveis de
exploração
A assimilação da mulher como produto erótico,
e não como pessoa que tem direito à liberdade, colabora todo meio de violência
sexual. A ideia do homem como o dador afectivo e financeiro determina a
correspondência de poder entre ambos os sexos e entre adultos e crianças.
Nestas circunstâncias, mulheres, independente da idade, são incitadas a exercer
o papel social de responder aos anseios e exigências do homem ou de quem tiver
alguma forma de hierarquia sobre elas
Vale
referir que o consentimento de uma vítima de Tráfico de Pessoas para fins de
exploração, conforme previsto no parágrafo anterior, deverá ser considerada
irrelevante sempre que tenham sido usados quaisquer dos meios previstos no
mesmo.
DIFERENÇA ENTRE TRÁFICO E CONTRABANDO
É importante
diferenciar o TSH do Contrabando, para mais facilmente se poderem identificar
possíveis vítimas de TSH. Contrabando de pessoas: De acordo com o Protocolo das
Nações Unidas contra o Contrabando de Migrantes por Terra, Mar e Ar, que
suplementa a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Transnacional
Organizado (2000), o contrabando de pessoas tem como objectivo "obter,
directa ou indirectamente, benefício financeiro ou material pela entrada ilegal de uma
pessoa num Estado no qual essa pessoa não seja natural ou residente. O
contrabando de migrantes afecta quase todos os países do mundo. Ele mina a
integridade dos países e comunidades e custa milhares de vidas a cada ano.
O tráfico de pessoas é caracterizado
pelo "recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de
pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de
rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de
vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o
consentimento para uma pessoa ter controlo sobre outra pessoa, para o propósito
de exploração". A definição encontra-se no protocolo relativo À prevenção,
reprensão e Punição do Tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças,
complementar à convenção das Nações Unidas contra o crime organizado
transnacional, conhecida também como convenção do Palermo
A definição
apresentada pelo Protocolo de Palermo trouxe importantes avanços. Inicialmente,
é importante destacar que o documento faz referência ao tráfico de pessoas, e
não mais apenas de mulheres, como se observa nos anteriores. Essa mudança
demonstra a idéia que se tem de que tanto homens como mulheres podem ser
traficados. O Tráfico de
Seres Humanos envolve lucro financeiro através da exploração de outras pessoas,
estamos assim perante uma violação dos direitos humanos (crime contra a
pessoa). As vítimas do crime são as pessoas traficadas Elementos que distinguem
TSH de Contrabando.
Quadro 1
Diferença entre tráfico e contrabando
|
Trafico |
Contrabando |
Iniciativa |
Os traficantes usam um vasto leque
de estratégias de recrutamento que vão das redes de contactos pessoais ao uso
de meios de comunicação social (jornais, internet, rádio, etc.) para fazer
campanha publicitária relativamente a oportunidade de emprego no estrangeiro. |
Por norma, os contrabandistas não
necessitam de ter um processo de recrutamento. |
Consentimento |
As pessoas traficadas são indivíduos
que nunca o consentiram ou cujo consentimento foi obtido através de coerção,
por indução em erro ou acções abusivas por parte dos traficantes (Ex: as
pessoas consentiram fazer algo diferente do que no final elas se vêm
obrigados a fazer). |
Os indivíduos envolvidos consentem
serem contrabandeados, concordando pagar esse serviço ilegal, sendo que o
acordo inicial de atravessarem ilegalmente uma fronteira por troca em
dinheiro é respeitado. |
Exploração |
O tráfico envolve uma exploração contínua
das pessoas traficadas que de alguma forma algumas formas geram lucros
ilícitos para os traficantes. |
O contrabando finda com a chegada
dos indivíduos ao seu destino |
Transnacionalidade |
O tráfico pode ocorrer dentro o
próprio país de origem da pessoa ou em outro país. |
O contrabando é sempre transnacional |
Fonte:
COMO OS
TRAFICANTES ATRAEM E CONTROLAM ÀS VÍTIMAS
O crime de
tráfico de pessoas caracteriza-se pela complexidade. Uma das faces dessa
complexidade está na sofisticação do modus operandi dos traficantes. Os
esquemas criminosos chegam a dificultar a caracterização do crime como tal. A
involuntariedade, que caracterizaria a ação criminosa, é camuflada pelas novas estratégias.
Supostamente, a pessoa se desloca de seu lugar de origem por vontade própria,
não sendo, portanto, vítima - por decorrência, não há criminoso e nem crime.
Aqui reside a força da sofisticação do modus operandi
A outra face da complexidade está no terreno
fértil para o sucesso das estratégias criminosas. Essa terra produtiva é feita
de sonhos. A maior vulnerabilidade não é a pobreza, mas o sonho, afirma a
assistente social, explicitando a grande razão do êxito desse crime: os sonhos.
São eles que movem a vida. O modus operandi da exploração sexual de mulheres
também está se sofisticando. Antes, havia o aliciamento feito por uma pessoa de
confiança ligada à rede. Hoje, as pessoas que se deram bem, em termos, no país
de destino, transformam-se em iscas para atrair outras mulheres. Elas falam
como se a ideia fosse boa. São excepções fabricadas pelos próprios traficantes
Essas excepções
se tornam aliciadoras de outras mulheres. O esquema antigo ainda continua
existindo, mas é menos frequente. São duas coisas que vulnerabilizam as
mulheres: o sonho e a necessidade. O sonho tem mais força que a necessidade. A
maior vulnerabilidade não é a pobreza, mas o sonho. Sãos os sonhos, que movem a
vida. Muitas mulheres, que vão para fora, sabem que vão trabalhar muito, mas
isso é menor que o sonho
CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DO TRÁFICO DE PESSOAS
Leal, (2002, p. 42) descreve que os factores que favorecem o tráfico de pessoas são
complexos e variam de região para região. Há de se dizer, contudo, que alguns factores
são muito característicos como: Pobreza e desemprego; globalização da economia;
feminização da pobreza/da migração; estratégias de desenvolvimento, turismo;
situação de conflito armado; discriminação baseada em género; leis e políticas sobre
prostituição; corrupção das autoridades; lucros elevados - envolvimento com o crime
organizado, entre outros factores. Em resumo, as causas do Tráfico de Seres
Humanos podem ser enquadradas da seguinte forma:
- Factores de pressão ou oferta;
- Pobreza extrema;
- Falta de oportunidades / Desemprego;
- Conflitos sociais e políticos (desestabilizam e deslocam populações);
- Marginalização/subordinação de mulheres e moças;
- Venda de mulheres jovens pela própria família;
- Baixa auto-estima, histórico de abusos;
Há de se considerar também que como muitas vezes o traficante está
“protegendo” a vítima das autoridades por se encontrar aquela em status ilegal,
a vítima pode se sentir dependente e ligada ao traficante, o que dificulta
ainda mais o entendimento claro, por parte das mulheres, dessa situação de
exploração.
Por fim, vale destacar que o tráfico de mulheres em Angola infelizmente
encontra terreno fértil, por ser um país com facilidades de entrada em vários
outros sem a necessidade de visto, além da diversidade de “portas de entrada”,
como aeroportos, portos, rodovias; por isso, Angola é um país de trânsito,
origem e destino de mulheres traficadas.
COMO PREVENIR O TSH
Como vimos,
vulnerabilidade, pobreza e falta de oportunidade são as principais razões pelas
quais as vítimas de tráfico entram nestas redes. Foi demonstrado que os jovens
que não concluíram os seus estudos têm maior probabilidade de cair nestas
redes. Portanto, a primeira (e talvez a mais importante) estratégia para acabar
com este flagelo é investir na educação de possíveis vítimas. Porque se elas
tiverem maiores oportunidades de emprego nos territórios onde vivem e tiverem
mais acesso a formação e educação, as possibilidades de serem enganadas
diminuíram.
- Denunciar casos suspeitos;
- Educar os trabalhadores sobre os seus direitos em Angola;
- Educar os clientes para reduzir a procura (Por exemplo, no âmbito da prostituição);
- Educar os membros da comunidade;
- Construir confiança entre a comunidade e a polícia;
- Introduzir o tema TSH no ensino primário;
- Criar campanhas de sensibilização contra o TSH;
- Criar um dia nacional contra o TSH.
A sensibilização é outra medida muito eficaz para prevenir o tráfico de seres humanos, especialmente nas zonas rurais. A ideia é sensibilizar-se as populações mais vulneráveis para os perigos que correm, mas também para as estratégias que os traficantes usam. Assim, estas pessoas serão menos vulneráveis às mentiras do tráfico.
IMPACTO DA PANDEMIA COVID-19 NO TRÁFICO DE PESSOAS
A pandemia do
COVID-19 está colocando o mundo sob enorme pressão, afectando a vida de todos.
As medidas sem precedentes adoptadas para achatar a curva de contágio incluem
quarentena obrigatória, toque de recolher e confinamentos, restrições de
viagens e limitações nas actividades económicas e na vida pública. Embora, à
primeira vista, essas medidas de controlo e o aumento da presença da polícia
nas fronteiras e nas ruas pareçam dissuadir o crime, também podem levá-lo mais
ainda à clandestinidade
No tráfico de
pessoas, os criminosos estão ajustando seus modelos de negócios ao ‘novo
normal’ criado pela pandemia, especialmente por meio de abuso das modernas
tecnologias de comunicação. Ao mesmo tempo, o COVID-19 afecta a capacidade das
autoridades estatais e das organizações não-governamentais em fornecer serviços
essenciais às vítimas desse crime. Mais importante ainda, a pandemia exacerbou
e trouxe à tona as desigualdades económicas e sociais sistémicas e
profundamente entrincheiradas, que estão entre as principais causas do tráfico
de pessoas
A identificação
de vítimas de tráfico é difícil, mesmo em circunstâncias normais. As principais
razões incluem o fato de que as vítimas de tráfico são frequentemente
exploradas em sectores ilegais, informais ou não regulamentados (por exemplo,
crimes de pequeno porte, indústria do sexo, contextos domésticos, cultivo e
tráfico de drogas, agricultura e construção); a capacidade do crime organizado
de ocultar suas operações à vista de todos; a falta de vontade das próprias
vítimas de denunciarem sua vitimização ou sua incapacidade em fazê-lo; e capacidades
limitadas de aplicação da lei para detectarem esse crime.
Há receios de que
o COVID-19 esteja dificultando ainda mais a tarefa de identificar as vítimas do
tráfico de pessoas, que estão mais expostas à contracção do vírus, menos
equipadas para evitá-lo e têm menos acesso à assistência médica para garantir
sua recuperação. Operações essenciais e práticas para apoiá-las se tornaram um
desafio, devido aos países ajustarem suas prioridades durante a pandemia.
Aumentos dramáticos no desemprego e reduções de renda, especialmente para
trabalhadores com salários baixos e do sector informal, significam que um
número significativo de pessoas que já eram vulneráveis se encontra em
circunstâncias ainda mais precárias.
Desde a indústria
de vestuário, agricultura e agro-pecuária, passando pela manufactura e pelo
trabalho doméstico, milhões de pessoas que viviam em condições ao risco de
exploração severa, à medida que tenta identificar formas de garantir seus meios
de subsistência. As crianças correm um risco maior de exploração, especialmente
porque o fechamento de escolas não só impediu muitas a terem acesso à educação,
também uma das principais fontes de abrigo e nutrição.
Em alguns países,
devido à pandemia, mais crianças são forçadas a ir às ruas em busca de comida e
renda, aumentando o risco de infecção e exploração. No Senegal, o UNODC está
apoiando o governo em uma operação de larga escala que visa identificar
milhares de crianças de rua que estudaram em internatos religiosos. Essas
crianças eram frequentemente sujeitas a exploração e agora estão sob maior
risco. O UNODC apoiará o retorno às suas famílias ou as colocarão em abrigos.
Como as escolas
estão fechadas, muitas crianças estão cada vez mais on-line para aprender e
socializar. Isso pode torná-los mais vulneráveis a predadores sexuais on-line.
Grupos de defesa dos direitos da criança, agentes da lei e organizações
internacionais relatam uma maior demanda por material sobre o abuso sexual e
riscos de aliciamento on-line. No esforço para deter a disseminação global do
COVID-19 e salvar vidas, existem medidas rigorosas de controlo em muitos países
em uma escala nunca vista antes em tempo de paz.
Ao abordar a
pandemia, não devemos ignorar os riscos reais e concretos que essa situação sem
precedentes apresenta para indivíduos e grupos vulneráveis, nem sempre visíveis
em nossas sociedades. Um enfoque muito necessário no alívio do impacto
económico da pandemia do COVID-19 não pode e não deve excluir os desfavorecidos
e os menos privilegiados. O enfrentamento à pandemia oferece uma oportunidade
única de analisar as desigualdades profundamente arraigadas em nosso modelo de
desenvolvimento económico que alimentam a marginalização, a violência de
género, a exploração e o tráfico de pessoas.
O tráfico de
pessoas é o resultado do fracasso de nossas sociedades e economias em proteger
os mais vulneráveis e fazer valer os direitos sob as leis nacionais. Além
disso, eles não devem ser ‘punidos’ durante períodos de emergência.
O TRÁFICO
DE PESSOAS NA ORDEM JURÍDICA ANGOLANA E INTERNACIONAL
O Protocolo Relativamente o Prevenção,
Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças
(conhecido como Protocolo de Palermo) foi promulgado em 2000, com o objectivo
de complementar a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada
Transnacional, reforçar a luta contra o Tráfico de Seres Humanos e proteger as
vítimas.
CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A PREVENÇÃO, REPRESSÃO E
PUNIÇÃO DO TRÁFICO DE SERES HUMANOS
Os Estados Partes no presente Protocolo, declararam que uma ação
eficaz para prevenir e combater o tráfico de pessoas, em especial mulheres e
crianças, exige por parte dos países de origem, de trânsito e de destino uma
abordagem global e Internacional, que inclua medidas destinadas a prevenir esse
tráfico, punir os traficantes e proteger as vítimas desse tráfico, designadamente
protegendo os seus direitos fundamentais, reconhecidos internacionalmente.
Tendo em conta que, apesar da existência de urna variedade de
instrumentos internacionais que contêm normas e medidas práticas para combater
a exploração de pessoas, especialmente mulheres e crianças, não existe nenhum
instrumento universal que trate de todos os aspectos relativos ao tráfico de
pessoas.
Preocupados com o facto de na ausência desse instrumento, as pessoas vulneráveis ao tráfico não estarem suficientemente protegidas; criou-se m comité intergovernamental especial, de composição aberta, para elaborar urna convenção internacional global contra a criminalidade organizada transnacional e examinar a possibilidade de elaborar, designadamente, um instrumento internacional de luta contra o tráfico de mulheres e de crianças.
Os Estados
Partes adoptarão ou reforçarão as medidas, legislativas ou outras, tais como
medidas educacionais, sociais ou culturais, nomeadamente através da cooperação
bilateral ou multilateral, a fim de desencorajar a procura que fomenta todo o
tipo de exploração de pessoas, especialmente de mulheres e crianças, que leva
ao tráfico.
Cinco anos
após a entrada em vigor do presente protocolo, pode propor uma alteração e
depositar o texto junto do Secretário-geral das Nações Unidas, que em seguida
comunicará a alteração proposta aos Estados Partes e à Conferência das Partes
na convenção para analisarem a proposta e tomarem urna decisão. O Estados
Partes no presente Protocolo reunidos na Conferência das Partes farão todos os
esforços para chegarem a um consenso sobre qualquer alteração. Se todos os
esforços para chegarem a um consenso forem esgotados e não se chegar a um
acordo, será necessário, em último caso, para que a alteração seja aprovada,
uma maioria de 2/3 dos Estados Partes no presente Protocolo, que estejam
presentes e expressem o seu voto na Conferência das Partes.
As
organizações regionais de integração económica, em matérias da sua competência,
exercerão o seu direito de voto nos termos do presente artigo com um número de
votos igual ao número dos seus Estados Membros que são Partes no presente
Protocolo. Essas organizações não exercerão o seu direito de voto se os seus
Estados membros exercerem o seu e vice-versa. Uma alteração adoptada em
conformidade como o n.º 1 do presente artigo está sujeita à ratificação,
aceitação ou aprovação dos Estados Partes.
Uma
alteração adoptada em conformidade como n.º 1 do presente Protocolo entrará em
vigor em relação a um Estado Parte 90 dias após à data do depósito do
instrumento de ratificação, de aceitação ou de aprovação da referida alteração
junto do Secretário-geral das Nações Unidas. A entrada em vigor de uma
alteração vincula as Partes que manifestaram o seu consentimento em ficar
vinculados por essa alteração. Os outros Estados Partes permanecerão vinculados
pelas disposições do presente Protocolo, bem como por qualquer alteração
anterior que tenham ratificado, aceite ou aprovado
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo estudo
feito e pela breve análise dos casos apresentados, podemos notar que falta mais
informação de âmbito jurídico à população, uma vez que o (Protocolo
Relativamente o Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em
especial Mulheres e Crianças) a 20 de Junho, 2010) não é amplamente divulgado em Angola e não é um assunto que cause debate de grande
repercussão.
O tráfico de pessoas é um problema presente em Angola e em todos os países do mundo, fruto das condições socioeconómicas, políticas ou culturas que potenciam este tipo de crime. Este pode ser definido, de forma muito resumida, como sendo a recrutamento, o transporte, a hospedagem e a exploração para fins de exploração sexual, exploração laboral ou para fins de mendicância forçada e actividades ilegítimas, onde as vítimas podem ser mulheres, homens ou crianças, com idades muito variadas.
BIBLIOGRAFIA
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[1] Docente e pesquisador, correio electrónico: abreucongo@gmail.com
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