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Formas de tratamentos e regras gramaticais

O Conceito das Formas de Tratamento

Ao Buscar por uma definição das formas de tratamento nas gramaticais tradicionais pouco se aborda de forma concreta e acentuada sobre o seu conceito, limitando-se apenas na explicação dos pronomes de tratamento e na apresentação das suas abreviaturas e referências.

Apesar desta situação, as abordagens sobre os pronomes de tratamento nas gramáticas tradicionais não deixaram de esclarecer que as formas de tratamento caracterizam as relações sociais dos indivíduos de uma determinada sociedade através da forma de interação.

Terra (2002) insere os pronomes de tratamento, como Senhor, Senhora, Você, Vocês, Vossa Alteza, Vossa Eminência, Vossa Excelência, Vossa Magnificência, Vossa Reverendíssima, Vossa Santidade, Vossa Senhora e Vossa Majestade, na categoria dos pronomes pessoais, explicando que eles se referem à pessoa a quem se fala (a 2.ª pessoa), mas alerta que a concordância gramatical deve ser feita com a 3.ª pessoa.

Denominam-se pronomes de tratamento, segundo Cunha e Cintra (2014), certas palavras e locuções que valem por verdadeiros pronomes pessoais, como: você, o senhor, vossa Excelência.

E Bechara (1928) amplia o conceito e afirma que existem ainda formas substantivas de tratamento indirecto de 2.ª pessoa que levam o verbo para a 3.ª pessoa, como referimos antes, mas define que são as chamadas formas substantivas de tratamento ou formas pronominais de tratamento.

De igual modo, Nascimento e Lopes (2004) acrescentam que são pronomes de tratamento as palavras ou locuções que podem ser usados no discurso, capazes de substituírem os pronomes pessoais da segunda pessoa – tu e vós[1] (a pessoa ou pessoas com quem se fala).

Para Silva (2003)[2] o uso das formas de tratamento é a expressão linguística que vigora em um determinado meio social. E crescente que o emprego do tratamento não depende propriamente do sistema linguístico, mas de forma como a sociedade está organizada.

A Funcionalidade das Formas De Tratamento

As sociedades sempre se apresentaram hierarquizadas através dos estratos sociais, pois nem todos os indivíduos de uma determinada sociedade apresentavam os mesmos estatutos, no entanto, as formas de tratamento funcionam, precisavamente, com objectivo de diferenciar a intimidade entre dois falantes e os tipos de eventos. Por isso, Bechara (1928) para além de apresentar os pronomes de tratamento aponta ainda as suas referênciais:

Vossa Alteza (V. A., para príncipes, duques);

Vossa Eminência (V. Em.ª, para cardeais);

Vossa Excelência (V. Ex.ª, para altas patentes militares, ministros, Presidente da República, pessoas de alta categoria,

(Bispos e arcebispos);

Vossa Magnificência (para reitores de universidade);

Vossa Majestade (V. M., para reis, imperadores);

Vossa Mercê (V. M. cê, para as pessoas de tratamento cerimonioso);

Vossa Onipotência (para Deus – não se usa abreviadamente);

Vossa Reverendíssima (V. Rev.ma, para os sacerdotes);

Vossa Senhoria (V. S.ª, para oficiais até coronel, funcionários graduados, pessoas de cerimônia).

Apesar das formas de tratamento tu e você não fazerem parte dos pronomes mencionados, o autor acrescenta que existem formas substantivas ou formas pronominais de tratamento em que enquadra o pronome você, vocês no tratamento familiar e o Senhor e Senhora no tratamento cerimonioso. Então Cintra (1972) fez um estudo para agrupar os mesmo pronomes:

· Tratamentos pronominais em que enquadra o pronome tu, você, Vossa Excelência, Vossa Alteza etc.

· Tratamento nominais em que insere o senhor, senhora, senhores, senhora, doutores, ministros, o pai, a mãe, avó, o patrão, o Alexandre, a Teresa, etc.

· E o tratamento verbal onde a sua funcionalidade e sem sujeito, funcionando a partir da sua desinência verbal, como por exemplo, (tu) Não vais à igreja? Desinência do verbo no singular da 2.ª pessoa, (você) quer beber alguma coisa? Desinência do verbo no singular da 3.ª pessoa.

Apesar de as gramaticais tradicionais apresentarem e delimitarem as formas de tratamento, a sua aplicação ou funcionalidade, sobretudo dos pronomes tu e você não têm sido tão rígida como as gramáticas rezam, pois está associado a vários factores entre individuais, sociais e, em muitos casos, o valor semântico que ganham nas suas interpretações.

As palavras como você, o senhor e locuções como Vossa Excelência, Vossa Eminência e Vossa Senhoria em muitos países, sobretudo Portugal funcionam como verdadeiros pronomes pessoais.

A Forma de Tratamento a Luz do Português de Portugal

Numa sociedade caracterizada por hierarquias sociais, as formas de tratamento revelam o nível de interação dos falantes, pois é através delas que se estabelecem os diálogos. Por isso, que o seu principal objectivo não é nada mais do que a interação comunicativa entre os interlocutores.

Às vezes, quando queremos nos dirigir a alguém ficamos parados pensando nas formas que devemos adoptar para tratar a pessoa com quem queremos interagir, no sentido de adequarmos o seu cargo profissional, idade com o tratamento.

De acordo com a história do português de Portugal, Cintra e Luis (1972), citados por Jana Lĕsková (2012), caracterizam três grandes períodos que contribuíram na evolução do actual contexto das formas de tratamento em Portugal.

O primeiro período que iniciou no século XIII até XV em que as formas de tratamento eram pronominais, ou seja, tu e vós. O segundo período que inicia no séc XV até fina do XVIII com os pronomes nominais de reverência: Vossa mercê, Vossa senhorita, Vossa Excelência, Vossa Alteza entre outros tratamentos e o terceiro período que vai XVIII. Este período é considerado a fase da invasão da forma nominais.

As formas tu e vós não surgiram ao acaso no tratamento português, pois o tu tinha um único significado ou único destino, ou seja, era o tratamento para os servos e imperador e o “vós era empregado como plural não como pronome de respeito, situações que acontecerem na época do império romano”.

De acordo com a estatística de 2016, Portugal é um país composto por mais de 10 milhões de falantes, onde o pronome tu, segundo Cunha e Cintra (2014), é empregado como forma de intimidade usando-se de pais para filhos, de avós ou tios param netos e sobrinhos, entre irmãos ou amigos, entre marido e mulher, entre colega da faixa etária igual ou próxima.

O seu emprego, acrescenta os autores, tem se alargado nos últimos tempos, entre colegas de estudo ou da mesa profissão entre membros de um partido político.

Quanto ao tratamento pronominal você, “usado como forma de tratamento, entrou para o português no século XVII. Trata-se de uma redução de vossa merce que passou para vossemecé e depois para vosmece e que devido à rapidez de pronúncia da palavra, foi reduzido para você” (2018 julhos 02).

A sua utilização em Portugal não foi muito frequente, mas agora começa a ganhar espaço devido à influência da variante brasileira. E apesar deste alargamento, “não é ainda possível (...) usar você de inferior para superior, em idade, classe social ou hierarquia” (Cunha e Cintra, 2004, p.372).

Aliás, os autores sublinham ainda que “quando uma pessoa se dirige a alguém que possui título profissional ou exerce determinado cargo, costuma fazer acompanhar as formas o senhor e a senhora da menção e do respectivo título ou cargo” IDEM, como por exemplo:

Senhor doutor,

Senhora doutora,

Senhor ministro entre outros tratamentos.

A Forma De Tratamento Do Português Brasileiro

Depois de analisamos as formas de tratamento do português Europeu, ou se preferir de Portugal, importa fazer uma comparação com o português brasileiro, a fim de se identificar as similaridades e as discrepâncias, em termos dos pronomes de tratamento, entre ambas.

O português falado no Brasil é considerado a variante prestigiada da Língua Portuguesa pelo facto de ser o país com um número de falante estimado em mais de 200 milhões de falantes.

Enquanto no sistema linguístico de Portugal usa-se o tu, vós e senhor, no Brasil o sistema é dual, ou seja, usa-se você para marcar a intimidade e senhor ou senhora para circunstâncias cerimoniais. 

(Cunha & Cintra, 2014) acrescentam que o uso do tu restringem-se ao estremo sul do país e alguns pontos da região Norte. Apesar disso, os autores reconhecem que ainda não é suficientemente delimitado em quase todo torritório e foi substituido pelo pronome você como forma de intimidade, situação diferente de Portugal.

No Brasil “você também se emprega fora do campo da intimidade como tratamento de igual para igual ou se superior para inferior”, IDEM p.372.

Entretanto, o sistema do Brasil reconhece as formas senhora e você.

Enquanto em Portugal é crível tratar alguém pelo título profissional e depois pelo nome, “no Brasil estas formas de tratamento são incomuns. E sistemáticamente só se menciona seguidos dos nomes próprios” [3].

“A forma de tratamento tu conserva-se como tratamento cotidiano em alguns estados do Brasil, Principalmente no Sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina), mas também no Nordeste (Maranhão), Norte (Pará) e no Sudeste (Rio de Janeiro) embora geralmente sem concordância correcta porque desaparece o “S” no final: Tu fica em casa. Tu vai ver. Tu é linda o que pode ser visto como a má analogia com o emprego do você que exige o verbo na 3.ª do singular”[4].

O pronome senhor e senhora é um tratamento que reúne consenso entre o Brasil e Portugal, ou seja, são pronomes reservados para o tratamento em circunstâncias cerimoniosos nas duas nos dois países. 

Mas ainda assim, o português da variante brasileira é a considerada a mais simplificadora em ralação a variante portuguesa porque só existe um sistema dual nas formas de tratamento: você como a forma de intimidade ou informal e o senhor senhora para os eventos cerimoniais.

Já na variante a portuguesa, conserva o você para tratamentos formais, o senhor senhora para formais e o tu como marca de intimidade da circunstâncias informais. Pois são questões que causam diversos debates no seio dos linguístas.

1.5 A Forma de Tratamento da Variante Angolana

Angola adaptou desde a sua independência a Língua Portuguesa como oficial[5]. Tal como fizeram os outros países africanos que adaptaram a língua do colonizador, embora muitos, para além da língua do colonizador, tenham oficializado também as “línguas nacionais”.

“A variante do português falado em Angola[6] é produto do fenómeno natural da variação linguística consequente ao do contacto linguístico e cultural entre o português e as línguas bantu” (Queta, 2010). Pois os contactos se mantêm com “as demais línguas de Angola” [7], como o Cokwe, Kimbundo, Kikongo, Ngangela, Olunyaneka, Oshihelelo, Oshikwanyama, Oshindonga e Umbundo.

Apesar da existência do ideal linguístico, ou seja, da norma europeia é possível observar que as línguas não são estáticas porque as sociedades estão em constantes mudanças e essas mudanças se materializam, precisamente, na interação dos falantes e assim vão evoluindo as formas como os interlocutores se comunicam.

Para Mingas, (2002 P, 47), citado pelo Queta, o que se fala actualmente em Angola é uma variante balbuciante do português de Portugal, resultante do contacto da língua portuguesa com as línguas maioritárias angolanas.

Por exemplo, embora o Brasil, Portugal e Angola, entre outros países, tenham a Língua Portuguesa como oficial, a verdade é que os contextos ditam a semântica que as formas de tratamento ganham. Assim acontece com o pronome de tratamento você em que em

Angola o uso deste pronome, por um lado, se enquadra nas formas de tratamento de intimidade e noutros casos é entendido o tratamento como uma verdadeira falta de respeito. Embora o Português Europeu reze para caso de formalidade. Fruto das questões sociais.

A forma tu não é genericamente em contexto formal e contexto de formalidade obriga-se a utilizar  senhor / senhora ou vossa Excelência.

Miguel e Alves (2011p, 336) acreditam que geralmente estas formas de tratamento não diferem do tratamento por você, no que respeita às formas verbais e pronominais. A diferença reside no facto de que aqui se substitui o você por o senhor / senhora ou V.Exa.  



[1] A forma tu anteriormente na variante portuguesa tinha um único significado ou único destino, ou seja, era o tratamento para os servos e imperador e o vós era empregado como plural não como pronome de respeito, situações que acontecerem na época do império romano.

 [2] Citado por Arterxerxe Modesto (2006). Formas de tratamento no português Brasileiro: Alternância tu / você na cidade de Santos-SP.

[3] Cunha e Cintra, 2004 p.373

 [4] Lĕskova, 2012 p, 45

[5] 1. A língua oficial da República de Angola é o português.

   2. O Estado valoriza e promove o estudo, o ensino e a utilização das demais línguas de Angola, bem como das principais línguas de comunicação internacional. Constituição da República de Angola de 2010 no seu artigo 19°.

[6] Somos contrários a posicionamentos que condicionam o reconhecimento da existência da variedade do português angolano a estudos descritivos exaustivos. Com ou sem estudo, o fenómeno da variação linguística está sempre presente. Tais estudos não condicionam a existência de uma forma própria, diferente de se falar a L íngua Portuguesa em Angola, pois qualquer língua vai adquirindo aspectos particulares conforme se vai espalhando a partir da sua região de origem.

 [7] A forma como a constituição, ou seja, a lei magna do país denomina as “línguas nacionais” tem sido tema de debates, pois muitos estudiosos entendem a designação como um verdadeiro desprezo. Aliás, Queta (2010 p, 60) lembra que o estatuto da língua deve ser o principal aspecto a considerar.

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